A pausa e a precisão ou a intensidade

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A pausa e a precisão ou a intensidade

Wilton Santana

Sempre insisto com meus jogadores de que é preciso “parar de correr e pensar”. Claro que não se trata, literalmente, de parar de correr! Mas se trata de aprender por que, quando, para aonde e como correr. Para tanto, ao mesmo tempo que persigo um jeito particular de jogar, tenho me insurgido, a cada treino, contra os movimentos sem intenção, os deslocamentos que não geram uma boa continuidade da jogada e o jogo mal elaborado. Dedico-me a educar a intenção dos jogadores, que corresponde ao modo como quero que percebam as diferentes situações de jogo. Ainda que sejam cinco jogadores distintos, preciso que interpretem os momentos como se fossem “um”.

 

Novos hábitos=nova forma de jogar

Meu empenho é para substituir, em cada jogador, o individualismo pelo jogo associativo, de interações, sem perder a individualidade (o estilo próprio). O individualismo impera quando não se joga junto! Na prática, “corre-se com a bola”. Começar a “jogar o mesmo jogo” está associado à aquisição da cultura tática da equipe, ou seja, o modo como pretendo que joguem. Todos os treinos são para criar essa identidade. E sei, evidentemente, que isso leva tempo, porque lido com conhecimentos distintos dos jogadores. Lido com os seus hábitos. E estes, neste ano, neste momento e para a grande maioria, são diferentes do que o modelo de jogo requer. O treino é para que adquiram novos hábitos. Para que mudem a mentalidade. Até que, sem perder a individualidade, mas “sob nova direção”, joguem juntos o mesmo jogo.

 

Pausa X intensidade

O fato é que os jogadores querem imprimir intensidade de deslocamentos e eu quero que imprimam intensidade decisional (concentração tática). Enquanto querem correr com a bola, eu quero a pausa. A pausa é o momento em que iniciamos algo juntos. A pausa denuncia que há um “jogo nosso” se passando na cabeça de cada jogador ao mesmo tempo. A pausa se dá quando há intencionalidade. Uma equipe sem pausa é uma equipe sem identidade, anônima. Um jogador sem pausa é acéfalo. Quando há pausa, os jogadores requisitam o protagonismo do jogo. Enquanto isso não ocorrer, o jogo pertence apenas ao treinador. E aí não há fluência, porque o treinador não joga! A minha cruzada é contra a correria desenfreada e o individualismo. Por isso institucionalizar a pausa como princípio tático. Findada a precipitação, a correria, só nos restará elaborar o nosso jogo. Sermos precisos.

 

Precisão X intensidade

Ser preciso é produzir o jogo que se pretende jogar. Para tanto, no treino, é preciso construir e repetir o que queremos que seja regular taticamente. Essa identidade coletiva fará com que os jogadores corram em função do jogo que se pretende jogar. O jogo específico gerará um correr específico. Se formos precisos (específicos) nas nossas interações táticas, correremos de modo específico (preciso), isto é, segundo os propósitos da equipe. A intensidade (condicional) atenderá nosso modo particular de jogar. Não correremos de forma aleatória, em excesso, mas segundo a nossa forma de jogar. Preencheremos, desse modo, o nosso jogo de intencionalidade coletiva. Jogaremos em intensidade decisional (tática) e isso não exclui a intensidade condicional (física), mas a ajusta.

 

Por que a pausa e a precisão ajustam a intensidade física?

Porque jogadores que jogam em especificidade (segundo o modelo de jogo da equipe) sabem por que, quando, para aonde e como correr. Por isso são precisos! Essa consciência tática requisita (arrasta) uma intensidade condicional ajustada ao modelo de jogo. Por outro lado, na ausência disso, os jogadores, por não “correrem certo”, se cansam. Cansados, decidem ainda pior. É uma tragédia. Portanto, jogar em especificidade (segundo a identidade coletiva) fará com que economizem energia. Mas, para isso, precisarão de treinar com intensidade decisional e em especifidade, ou seja, concentrados no que o modelo de jogo requer. Por isso, em todo o treino exercitam o nosso jogo, enfrentando certo volume de intensidade decisional (que não exclui a condicional, mas a ajusta!). Sei que agora a exigência tática está pesada, porque tudo precisa passar pela consciência. E ela é lenta. Com o tempo, quando nosso jogo for um hábito, passará pela intuição. E ela é veloz. Nesse momento, verei a primazia do jogo associativo, veloz, intuitivo, carregado de intenções, preciso, pausado e, portanto, eficaz.

As palavras de Jorge Valdano, num belo livro chamado “Fútbol: el juego infinito”, são impecáveis para se entender o que até aqui foi posto:

Para jogar bem há que correr, claro, mas também há que saber parar […] está cheio de jogadores que, em sua ânsia por ser intensos, se movem a uma velocidade acima da que se pode permitir, atentando permanentemente contra a precisão. Se não há precisão, a jogada não tem continuidade e, se não há pausa, não há surpresa. Precisão e pausa sempre foram os componentes essenciais do grande jogo, e a intensidade vai contra ambos os conceitos. Assim, começamos a colocar em dúvida a palavra ‘intensidade’ como sinônimo de eficácia. Seria como pensar que um relógio é bom porque avança mais rápido do que os demais.

Preciso, não?

 

O binômio pausa-precisão

O que viria primeiro: a pausa ou a precisão? Não é uma boa pergunta. Por quê? Porque a pausa e a precisão coexistem. A equipe pausa para surpreender, se organizar e entrar na produção do modelo de jogo, no qual precisará ser precisa, ou seja, específica. A pausa já é especificidade. A especificidade requer a pausa. O jogo qualitativo precisa desses dois elementos.

 

O bom jogo e o bom jogador

Um jogo sem a coexistência da pausa e da precisão é muito intenso. Físico. Feio. Mais executado do que pensado. Os jogadores debatem-se na quadra. Um bando, diria. Jogo ruim para os olhos e para a alma. O bom jogo, claro, não pode prescindir da luta, da disputa, do confronto, da competição, do esforço, mas isso deve ser feito em especificidade. O bom jogador pausa para surpreender. Ele dissimula o seu jogo. Reduz para acelerar. Antecipa-se ao acontecimento. O bom jogador é preciso, específico e, por isso, letal. O bom jogador é o resultado das suas interações com os demais. Ele se mistura com os demais para jogar em especificidade. Daí a pausa. Daí a precisão. Daí o bom jogo.

 

Wilton é professor do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Londrina.

1 Comentário

  1. Cleimar Carvalho Rocha disse:

    Excelente texto, aborda um problema muito comum em jogadores e treinadores jovens.