O debate do jogador é com o jogo

Apostar na “rua” ou trazer as crianças para o treino?
3 de novembro de 2020

O debate do jogador é com o jogo

 

Wilton Santana

Os jogadores jogam o que treinam e não o discurso do treinador. Não são as palavras o determinante para se jogar bem, mas as interações embutidas e exercitadas nos treinos criados pelo treinador.

 

Já há algum tempo aprendi que o “debate” do jogador é com o jogo. Me refiro ao jogo enquanto estratégia de ensino-treino. Por isso, esta dever ser provocativa o suficiente para desencadear os esforços do jogador, ou seja, motivá-lo a resolver os desafios colocados. Abre parênteses: ouvi, pessoalmente, um depoimento do Vitor Pereira, treinador que dirigiu o Corinthians e o Flamengo, de que o jogo proposto no treino (estratégia) deveria ser “suficientemente intuitivo” para provocar o que se espera, não dependendo de feedbacks do treinador”. Fecha parênteses.

Lógico: o treinador teria de saber, igualmente, o que quer com isso. Por isso, o jogo proposto no treino teria de representar algo do jeito particular da sua equipe jogar, de modo que o jogador, jogando esse jogo, criasse promissores vínculos coletivos.

Na esteira dessa premissa pedagógica (“o debate do jogador é com o jogo”) há uma aposta: o que faria o jogador mais inteligente ou hábil seria o seu empenho para resolver os desafios embutidos no jogo. Por isso, o caminho para se jogar cada vez melhor seria responder bem, e ao seu modo, na prática coletiva proposta pelo treinador, “perguntas” do próprio jogo.

Quais perguntas teus treinos têm feito para os seus jogadores? Muito do que eles jogam tem a ver com isso e, muito, mas muito menos mesmo, com a sua pregação diária. Os jogadores jogam o que treinam e não o discurso do treinador. Não são as palavras o determinante para se jogar bem, mas as interações embutidas e exercitadas nos treinos criados pelo treinador. 

Jogando, respondendo coletivamente “perguntas” do jogo, os jogadores se desenvolvem individualmente. É assim que, ao mesmo tempo, equipe e jogador evoluem. Mas tem de saber aonde se quer chegar jogando o que se joga. 

Foto: divulgação

Mara Veira, minha professora no Master de Periodização Tática, tem uma frase imbatível para isso: “O jogador cresce porque a equipe cresce”.

Essa é a parte mais difícil de se entender quando a mentalidade do treinador é cartesiana. Quem pensa de modo fragmentado tem dificuldade de entender que o desenvolvimento individual só é possível de se ganhar nas práticas coletivas, de modo contextualizado. Uma outra dificuldade é entender que os jogadores constroem autonomia na interdependência, na presença dos outros jogadores, coexistindo. 

Se os jogadores não viverem as decisões uns dos outros não há desenvolvimento individual sustentável. E se não exercitam nas práticas coletivas um idioma que os unifica, que os identifica como equipe, não solidificam um jeito próprio de jogar juntos.

“O eu precisa do nós” (Morin).

Por isso, segundo esse mesmo autor, o desafio seria criar “condições para que um eu floresça em um nós e para que o nós possa permitir que o eu floresça”.

 

Wilton Santana é Instrutor Conmebol para Futsal.

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