Versatilidade tática e identidade posicional

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Versatilidade tática e identidade posicional

Wilton Santana

 

Quando escrevi “Futsal: apontamentos pedagógicos na iniciação e na especialização”, Editora Autores Associados, defendi que os treinadores de crianças, dos 6 aos 12 anos, deviam “Ter como objetivo capacitar o seu aluno a desempenhar com qualidade, até o final do período de iniciação, de forma gradativa, no mínimo duas posições”. Defendi que essa busca pela versatilidade tática posicional seria, inclusive, um novo paradigma quando do ensino do futsal, pois jogadores mais versáteis, em teoria, levariam vantagem  sobre os menos versáteis para atender as demandas ambientais do jogo mais elaborado, atacando, defendendo e transitando de modo mais eficaz.

Pois bem. O tempo passou e eu não mudei de ideia. Mantenho o princípio de evitar a especialização tática posicional precoce com o objetivo de preparar jogadores mais versáteis para os ciclos futuros, de especialização e de alto rendimento.

 

A versatilidade tática que gera a identidade posicional

Apliquei esse princípio pedagógico de “ensinar a jogar em mais de uma posição” para um grupo de crianças que treinei entre 2013 e 2016, dos 6 aos 9 anos, participantes do projeto de extensão que mantenho na Universidade. Aprendi que as iniciativas que tomei para gerar a versatilidade tática posicional resultaram, a certa altura e para todos, no surgimento do que chamo de identidade posicional.

O fato é que enquanto eu, a parte “ensinar”, provocava a versatilidade tática, os jogadores, “a parte aprender”, construíam, gradativamente, suas aproximações com as posições, que certamente eram de acolhimento ou de descarte. Na prática, à medida que as dinâmicas de treino lhes exigiam atuar ora como fixo, mais pelo centro e recuado, ora como alas, mais pelas laterais em largura, ora como pivôs mais avançados em profundidade e tal, eles foram se identificando mais com uma do que com outra posição.

Sublinhe-se que a identidade posicional não se deu de partida, não foi planejada, mas emergiu. Singular para cada um. Adicionaria, ainda, que quando os escalava juntos nas competições, mais vezes nas posições em que eu avaliava que lhes eram mais favoráveis, contribui para que reforçassem a identidade posicional que estava em construção.

 

B. como fixo, G. como ala, F. como pivô em 2014.

 

F. como goleiro, G. como fixo, R. como ala, D. como pivô em 2015.

 

B. como goleiro, G. como fixo, R. como ala, F. como ala em 2016.

 

Quatro anos depois

Acompanho de perto alguns desses meninos. Quatro anos depois, G. joga de fixo; R. de ala; F. de ala; D. de ala e B. de ala e pivô. Tenho a tendência a afirmar de que manterão essas posições daqui para frente; portanto, que se especializarão nelas. Seria precoce? Talvez, mas parece não pairar dúvidas sobre isso – nem para mim e nem para o atual treinador deles.

 

Desfecho não linear

Quando uso a lente do pensamento redutor, simplificador, elaboro se não devia ter sido mais incisivo ao estimular a polivalência tática; se não devia ter provocado mais vezes as alternâncias de posições nas competições para induzir os jogadores a serem fluentes ao menos em duas posições; se não devíamos insistir mais dois anos com isso. Penso assim porque, exceto o B., que é ala e pivô, os demais se identificaram com uma posição. Mas, se coloco a lente do pensamento sistêmico, complexo, percebo que não seria possível controlar o desfecho. Ele emergiu! Não seria sequer plausível controlá-lo. Isso porque estou diante de um fenômeno complexo, portanto, dado à incerteza, ao imprevisível. É isso o que explica o desfecho. Ou seja, apliquei a diversidade, mas obtive a especialidade. Esperava que fossem seis anos, mas foram quatro. Um desfecho não linear. Uma propriedade dos sistemas complexos.

 

A identidade posicional que precisa da versatilidade tática

Se eu estiver certo, o que essa experiência me ensinou foi o seguinte: se ao se implementar a versatilidade tática se pode obter uma identidade posicional funcional (G., R.; F.; D.) em alguns casos e multifuncional em outros (B.), então qual seria o próximo passo? O que projetar metodologicamente para esses jogadores? Nisso estou resoluto: insistir na diversidade. Se não de posições, porque detêm uma identidade posicional, mas de repertório tático, de linguagem tática, de interações táticas. Na prática, ampliar de modo incisivo o repertório tático de quem construiu a sua identidade posicional. G. (fixo), R. (ala), F. (ala), D. (ala) e B. (ala e pivô) precisam encontrar ambientes de treino abertos e flexíveis, que provoquem, sobre a identidade posicional que construíram, a versatilidade tática exigida dos bons jogadores, que seria constituída de um acervo tático amplo, versátil e diversificado em suas posições. Trata-se da diversidade na especialidade.

 

O dinamismo da identidade posicional

Uma última provocação: agora que o nível de jogo de cada um se tornará mais assentado na versatilidade de interações táticas, o que implica reconhecer que os jogadores ganharão, gradativamente, maior mobilidade e autonomia em quadra para atuar nos diferentes momentos do jogo, não seria o caso de se levantar a hipótese de que a identidade posicional que detêm sofrerá novos arranjos a ponto de os jogadores se desenvolverem nas outras posições? De que a identidade posicional é dinâmica? Não linear, lembra-se? Preciso de mais quatro anos para responder isso.

 

Wilton fez o mestrado e o doutorado em educação física na Unicamp (SP). Nesse período publicou, pela Autores Associados, o livro “Futsal: apontamentos pedagógicos na iniciação e na especialização”.

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