Jogar o próximo instante

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Jogar o próximo instante

Wilton Santana

 

 

 

Uma das atitudes mais promissoras para um jogador de futsal é antecipar mentalmente o que ainda não aconteceu. Trata-se de jogar o “próximo instante”. Isso lhe dá uma enorme vantagem competitiva. Por exemplo, quem joga “no futuro”, antecipando as intenções dos seus colegas e dos adversários, seleciona o momento e lugar certos para concluir um ataque ou evitar um gol, recuperar uma bola ou interceptar um passe, dar um passe decisivo ou de contenção…

Se há uma virtude que me impressiona é esta! Em alguma medida, todos os jogadores de bom nível jogam antevendo. Mas há alguns que são proeminentes nisso.

Isso posto, fica a questão: é possível treinar essa atitude ou ela nasce com o jogador? Ela é treinável, adquirida, consequência de treino, de envolvimento, de experiências. Muitas horas de treino serão necessárias para aprimorá-la.

 

Perceber é agir

Aliás, as capacidades de perceber-antever são singulares, porque alicerçadas na experiência. Daí os jogadores perceberem-anteverem distintamente. Por que um jogador percebe mais que o outro? Por que um jogador antevê mais que o outro? Precisamos olhar para sua biografia para compreender. Retrospectivamente.

Aliás, perceber, o mesmo que identificar, já é antever, o mesmo que antecipar, que já é decidir, o mesmo que selecionar, que já é agir.

Mauro Maldonato, num belíssimo livro intitulado “Na hora da decisão: somos sujeitos conscientes ou máquinas biológicas?” (Editora Sesc São Paulo), que você deveria ler, reporta que “… a percepção, mais do que uma elaboração de nossas sensações, seria uma simulação antecipada da ação”.

Cérebro prospectivo

Esse mesmo autor nos lembra que embora seja “[…] opinião comum que no esporte as melhores performances estariam associadas à técnica, ao talento, à resistência ou à força do atleta. Hoje, pesquisas cada vez mais numerosas mostram o papel central desempenhado também pelas velocidades de percepção, reação, decisão e, sobretudo, antecipação”. Concordo intuitivamente com isso (embora acredite nas pesquisas!). Isso porque constato o quanto os jogadores que antecipam mais e melhor ganham vantagens competitivas para as suas equipes. Não duvide: o nosso cérebro atua no futuro. Para o Maldonato: “Mais do que uma máquina reativa, nosso cérebro revelou-se uma máquina preditiva, que formula hipóteses, prevê as consequências das ações, joga por antecipação”.

 

Treinar o próximo instante

Um dos desenhos de treino que adoto com crianças, a partir dos 8,9 anos, para provocar esse comportamento, inclui dividi-las em dois grupos (3X3) e estabelecer que a meta, que será defendida por dois goleiros, corresponda a extensão da linha de fundo. Isso mesmo! A meta terá entre 17 e 20 m, dependendo da largura da quadra.

Joga-se 3×3. O gol pode ser feito por toda a extensão da linha de fundo, ou seja, de um escanteio ao outro.

 

Nesse tipo de jogo, e em outros dessa natureza, por conta de se poder fazer o gol numa “meta tão larga”, os jogadores que atuam na última linha defensiva são “obrigados” a anteciparem a trajetória da bola para terem chances de evitar o gol. Jogar o próximo instante. Essa é a atitude e a resposta ao maior desafio do jogo, que seria adivinhar/antever/prever “aonde a bola será chutada”.

Adicione aí que os defensores não são “goleiros” de fato e que todas as crianças deveriam passar por essa função no jogo. Há aí um apelo à atitude de realizar coberturas. Mas ela é tanto mais possível quanto mais assertiva for a atitude de antecipar mentalmente aonde a bola poderá ser chutada. Ou seja, a “habilidade está toda na cabeça”. Jogadores que antecipam, que anteveem, costumam obter êxito nesse jogo na difícil tarefa de proteger a meta.

Esse jogo aguça, igualmente, o sentido defensivo dos jogadores de linha, que sabem que é bastante provável que tomem o gol se não pressionarem a bola ou forem driblados, e o sentido ofensivo dos jogadores de linha, que sabem da vantagem que têm para finalizar, mas que se perderem a bola dificilmente deixarão de tomar o gol na transição defensiva.

 

Fortaleça a diferença

Prepare seus jogadores, desde cedo, para jogarem o próximo instante. Isso é essencial para quem compete. Não se engane: “é em situações extremamente competitivas que o jogo por antecipação faz diferença”.

 

Wilton é professor na Universidade Estadual de Londrina, onde ensina Futsal e Pedagogia do Esporte.

2 Comentários

  1. Eurico Santana dos santos disse:

    Realmente o trabalho feito com leitura de jogo antecipada concordo que ação de mudanças em segundos fazem sim a grande diferença e uma tomada de decisão se faz até uma mudança de resultado por ação de velocidade individual .

  2. Roberto Pereira disse:

    Hoje estamos dando uma maior atenção nesse propósito de antever, que na minha opinião clssifico como leitura do jogo. Vejo que não maioria das vezes os próprios atletas não valorizam isso, pois os mesmo não buscam melhorar o seu nível de atenção.