Wilton Santana
Antes de tudo, dois esclarecimentos: gênese tem a ver com processo, com certo quadro evolutivo, com desenvolvimento. E técnica tem a ver com o conjunto gestual personalizado de cada jogador, inevitavelmente atrelado às suas experiências de jogo, porque nelas construídas. Portanto, abordo neste texto o quadro evolutivo da técnica situacional, criado, gerido e transformado pelo jogador no ambiente de jogo, no enfrentamento das demandas táticas, ao longo de sua biografia esportiva, da iniciação ao alto rendimento.
Isso posto, submeto a minha 1a tese: a técnica situacional, aprendida jogando, de modo contextualizado, globalizado, é a verdadeira técnica do jogador. Por quê? Porque é a esse gestual, que emerge do envolvimento do jogador com o ambiente contextualizado de treino, que ele recorre quando joga. Esse gestual é flexível, vem carregado de intenções táticas e deriva, repito, do constrangimento do meio, isto é, da presença de colegas, adversários, tempo, espaço, regras. Em última análise: se é com essa técnica que o jogador resolve os problemas enfrentados no treino contextualizado, então é essa técnica que o jogador carregará para o jogo.
Agora, a 2a tese: a técnica situacional se identificará, se parecerá, sempre, com as demandas táticas situacionais. Ou seja, os gestos, em sofrendo os constrangimentos da tarefa e do entorno (o que fazer, para que fazer, com quem fazer, quando fazer, para onde ir, como fazer), emergirão nesse ambiente de jogo para solucionar os problemas postos, que são reais, circunstanciais, imprevisíveis. A técnica tem a cara das solicitações impostas pelo ambiente de jogo. Não duvide: todos os jogadores, independentemente da idade e da experiência, chutam, passam, controlam e driblam, mas fazem isso de forma absolutamente singular e não de modo estereotipado. Todos têm estilo próprio.
Por último, a 3a tese: se isso for verdade, ou seja, se a verdadeira técnica é a situacional e ela tem a identidade do ambiente de jogo vivenciado, então, conforme os jogos, no ambiente de treino, forem aumentando em complexidade, novas técnicas emergirão! Logo, a técnica está inexoravelmente atrelada ao crescimento da complexidade tática. Na medida em que esta avança, aquela avança.
Na prática, a tendência é a de emergir, inicialmente, um gestual de partida: gestos pouco polidos, muitos erros, baixa regulação e controle do movimento, excesso de individualismo. Isso tem a ver com a pouca experiência de jogo do jogador, com a sua leitura tática incipiente, com o modo pouco racional que se posiciona para jogar e interage com os colegas. Mas isso não deve ser julgado como ruim e preocupante. A técnica esta sendo construída ao mesmo tempo em que se joga e, portanto, o segredo é criar jogos com uma complexidade que não hipoteque o aprendizado, mas o desencadeie, o promova.
O que mais importa na exercitação da técnica situacional é o que se aprende enquanto se joga: a ajustar o movimento segundo as demandas do ambiente de jogo. Um contínuo e profícuo aprendizado de quando acelerar ou desacelerar o movimento, de improvisar, de imprimir velocidade relativa, aquela exigida pela situação real, de controlar a bola num ambiente instável, a conviver com a incerteza. Quem aprende técnica assim, aprende a ser preciso (a ajustar o movimento, segundo a demanda tática) e veloz (a imprimir velocidade relativa, segundo a demanda tática).
Com o tempo, quando houver exigências mais complexas, o gestual passará a ser refinado, polido, com menos erros, do tipo exigido nos movimentos táticos coletivos entre dois ou mais jogadores. Mas isso tem a ver com o modo de o jogador pensar o jogo, isto é, o jogador mais experiente tem maior conhecimento, por isso, seleciona melhor suas decisões e tende a economizar gestualmente; também ocupa o espaço de modo mais inteligente e interage melhor taticamente.
Portanto, não entendo como promissor os treinos que isolam o aprendizado gestual (técnico) das demandas cognitivas (táticas). Seria uma simulação estéril, porque não oportuniza ao jogador personalizar e diversificar seu repertório gestual, e falsa, porque se distancia da exercitação promissora do binômio exigido no jogo: precisão (ajuste) – velocidade (relativa).
Em concluindo, não há como escapar: o gestual técnico verdadeiro de cada jogador é a técnica situacional, a que ele aprendeu jogando para dar conta das suas intenções táticas. Essa associação entre técnica e tática, gesto e intenção, ação e cognição sempre existiu ao longo da trajetória esportiva do jogador, da iniciação ao alto rendimento, mas em complexidade distinta. Isso é verdade para um garoto de 7 anos, para um jovem de 17 e para um jogador de 27 (1a tese). Portanto, a técnica sempre se identificará com as solicitações impostas pelo ambiente de jogo (2a tese), o que faz com que o seu desenvolvimento esteja, inevitavelmente, atrelado ao crescimento da complexidade tática (3a tese).
6 Comentários
Excelente texto! Como educadores temos o papel de oportunizar o aprendizado de forma integral entendendo como uma criança realmente aprende.
o conhecimento será sempre limitado se não for contextualizado. Será como decorar sem aprender.
Separar a técnica da tática é limitar o cognitivo senão elimina-lo.
Totalmente de acordo. Texto enriquecedor!!!
Muito bom o seu artigo!!! Concordo plenamente com o que escreveu.
Devemos abolir o pensamento cartesiano é positivista do esporte.
Excelente reflexão Professor ! Um privilégio poder aprender sempre com Vc.
Sensacional o texto… Concordo com tudo..