Obscuras alterações nas regras do futsal

A gênese da técnica situacional
30 de janeiro de 2018
A variedade tática do jogo de linha-goleiro
19 de fevereiro de 2018

Obscuras alterações nas regras do futsal

Wilton Santana

 

 

Estão amplamente divulgadas na mídia as novas alterações nas regras do futsal, embora a CBFS não tenha se pronunciado oficialmente: (1) os laterais e cantos, que são atualmente cobrados com os pés, poderiam ser cobrados, também, com as mãos; (2) o linha-goleiro (jogador de linha no gol), que hoje pode entrar quando quiser no jogo, só poderia entrar quando a sua equipe estivesse perdendo; (3) a cobrança do arremesso de meta, que atualmente permite ao goleiro lançar a bola diretamente para a meia-quadra ofensiva, exigiria que aquela tocasse, primeiro, na meia-quadra defensiva – aqui preciso fazer uma ressalva, pois li que isso poderia ser uma alteração apenas para as menores, até os 16 anos, para incentivar o “jogo tático”; (4) quando da definição do jogo por pênaltis, as três cobranças atuais seriam substituídas por cinco.

Eu até soube disso em janeiro, por conta do Grand Prix de Futsal, em Brusque, quando todos da comissão técnica da Seleção Brasileira, tiveram a chance de opinar.

Neste espaço, gostaria de repercutir isso um pouco:

(1) os laterais e cantos, que são atualmente cobrados com os pés, poderiam ser cobrados, também, com as mãos – a ideia de que cobrá-los com as mãos aumentaria o número de gols é uma hipótese. Não há estudos que fortaleçam isso. Há pesquisas que analisaram gols no futsal de alto rendimento tendo a Liga Futsal como campo de observação. Em um deles, de 2011, que analisou 78 gols, os pesquisadores encontraram um equilíbrio na conversão de tentos entre as bolas paradas (em que se encaixam essas situações), o contra-ataque, o ataque posicional e o jogo de linha-goleiro. Em outro estudo, de 2014, que analisou 416 gols, constatou-se o mesmo equilíbrio entre aquelas situações e também que os escanteios e os laterais representaram 8,4% do total dos tentos. Ou seja, uma dedução mínima e plausível desses dados é a de que não aumentará o número de gols no futsal por se cobrar laterais e cantos com as mãos. A tendência é o equilíbrio entre os principais contextos táticos que resultam gols: contra-ataque, ataque posicional, jogo de linha-goleiro e bolas paradas. Eu até suporia que aquelas situações cobradas com as mãos dificultariam a realização de gols na medida em que eliminariam os passes rápidos dentro da área, os quais costumam encontrar as infiltrações dos jogadores, e os passes à meia-altura próximos da área, que incentivam os voleios parados dos jogadores mais habilidosos.

(2) o linha-goleiro (jogador de linha no gol), que hoje pode entrar quando quiser no jogo, só poderia entrar quando a sua equipe estivesse perdendo – primeiro, uma dedução: do jeito que está escrito, esse texto não exclui que o goleiro-linha (goleiro que atua na linha) possa jogar 5X4 a qualquer momento. Depois, um desafio para uma inteligência mínima: se de modo geral, o linha-goleiro se constitui em uma das principais situações em que o gol é convertido, porque mexer nisso? Não é uma incoerência: querer aumentar o número de gols no futsal autorizando a cobrança de laterais e cantos com as mãos e impedir que o linha-goleiro seja colocado no jogo a qualquer momento? Aliás, não é “quando se está perdendo” a principal situação tática em que os treinadores optam em colocar o linha-goleiro? Sei que há um ou outro treinador que o utiliza de modo “defensivo”, quando está vencendo o jogo, mas que, na prática, transforma-se numa uma estratégia ofensiva, porque, via de regra, quem está perdendo “sobe” a marcação e isso tem como efeito o jogo ofensivo. Ainda: o empate pode beneficiar o adversário, então, no mínimo, se devia ter incluído essa condição na regra. Por último: eu achei que se essa regra um dia mudasse, seria para ter “mais linha-goleiro” no jogo, obrigando as equipes usar independentemente do placar, porque é uma situação de risco constante, portanto, que agrada o público.

(3) a cobrança do arremesso de meta, que atualmente permite ao goleiro lançar a bola diretamente para a meia-quadra ofensiva, exigiria que aquela tocasse, primeiro, na meia-quadra defensiva. Se por um lado essa alteração inibiria o contra-ataque em quadras rápidas (em que a bola toca a parede e volta na mão do goleiro), que gera situações de gol, por outro lado exigiria que as equipes se organizassem para “sair a passe”, algo que o jogo de hoje não exclui, mas não exige. Isso pode ser até interessante para a variedade tática: sob marcação alta, o jogo tático de sair jogando tenderia a ser mais bem pensado pelos treinadores.

(4) quando da definição do jogo por pênaltis, as três cobranças atuais seriam substituídas por cinco – que diferença faz?

Ainda que, modo geral, as pessoas ligadas ao futsal no Brasil tenham se manifestado desfavoráveis à maioria das possíveis alterações, o que é legítimo, porque se trata de mexer naquilo que a gente se acostumou, penso que a atitude mais coerente é esperar para ver o que, de fato, será ou não homologado e, ainda mais, homologado ou não “por aqui”. O fato é que mantemos no Brasil algumas características regulamentares próprias, distintas da regra da Fifa. Então, por que não poderíamos refutar algo disso tudo aí, uma vez homologado, que nos incomodasse tanto?

Por último, não poderia deixar de dizer o seguinte: há algum brasileiro na Comissão que estuda e propõe alterações nas regras do futsal, seja na Conmebol ou na FIFA? Para propor essas alterações, estudos sérios e longitudinais não deviam ter sido feitos? Há algum estudo piloto em algum país, alguma Confederação, que, comparado ao jogo de futsal que se pratica hoje no Brasil e na Europa, mostre algum indício de que temos de mudar as regras para melhorar nosso esporte?

 

 

Wilton é professor da Universidade Estadual de Londrina, onde ensina Futsal e Pedagogia do Esporte.

6 Comentários

  1. Renato Santos disse:

    Caro Professor, Boa Noite!

    Desde muito tempo bato em uma TECLA, e que por mais que a mesma entre em desgaste eu prefiro ir até uma loja credenciada, com profissionais habilitados, e lá sim, irei adquirir a peça de reposição para dar sequencia a um bom trabalho. Assisto sempre que posso futsal de outras nações, e a Euro é um aperitivo que qualquer adepto ao desporto disputado nos 40×20 certamente senta e dedica horas de aprendizado. Mas alguns erros políticos ofuscam a grandeza de várias áreas profissionais, e o futsal não poderia ficar fora dessa avalanche de ações sem critérios, sem conhecimento técnico-tático, sem vontade de permitir que essa modalidade ainda que jovem, possa dar passos ainda mais largos e alicerçados. Imagine uma empresa de Engenharia Naval ser conduzida por uma pessoa que sequer tem intimidade com cálculo, mas por ter boas relações na empresa acaba acessando cargos ao qual não tem formação mínima para desenvolver as ações do cotidiano da mesma. RESUMO. Estão querendo sucatear a modalidade, essas alterações estão a baseadas em quais dados que sugiram reflexão e possíveis novos rumos? SINCERAMENTE, Não vejo com bons olhos as propostas. A questão da penalidade máxima é uma situação que muito irá acrescentar, mas onde? Síntese de pessoas que não possuem fluência para aquilo que foram designados.
    SEUS ESCLARECIMENTOS nos posicionam do lado de quem de forma confortável e sucinta pode sentar, discutir, esclarecer e apresentar com fundamentação prática e científica quais os caminhos que o Futsal pode e deve tomar.

  2. Luciano Pizi disse:

    Uma atleta, outro dia me questionou, e de fato, pode ser que: se a regra do linha-goleiro for alterada seja, de início, um indício do fim das decisões por play-offs, já que na maioria, no jogo decisivo o empate favorece uma das equipes. Se o empate favorece o adversário, poderei ou não utilizar o goleiro linha?? Para que não haja dúvidas, toda decisão será por pênaltis.

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Luciano, essa é uma lacuna da possível alteração da regra: ela não prevê que o empate no jogo beneficie uma das equipe e retira o direito da outra de usar o linha-goleiro como estratégia de desempate. O que, convenhamos, seria um disparate.

      • Luciano Pizi disse:

        Então como eu disse, não seria uma tentativa de acabar com a vantagem do empate? Logo, as decisões seriam todas por pênaltis, como a imprensa tanto, tanto diz ser a melhor decisão. Empate nós dois jogos: pênalti. Resultados inversamente iguais: pênalti. Abraços!

  3. EVANDRO FAUSTINO SANTOS disse:

    Boa tarde professor, essa regra do lateral e escanteio com as mãos foi alterada, me lembro na época com o intuito de evitar choques de cabeça, eu joguei até 1993 dessa forma, na minha opinião o número de gols vai cair pelos motivos que vc citou, de bola rápida pelo chão ou meia altura, além de um passe curto, já que a cobrança com as mãos não permite a bola curta, geralmente ocorre a reversão. Penso tbém que o contato vai ficar como o do futebol hoje, absurdamente chato o tal agarra agarra e os árbitros vão ficar dando falta de ataque ao invés de pênalti. Qto ao goleiro linha, creio que só estão querendo mudar a regra por conta do Higuita, já que o Kairat ganhou mundias jogando com ele o tempo td, mas ele é a exceção, concordo com vc, a maioria põe para ser ofensivo e ainda que seja pra manter a posse de bola, o adversário não fica passivo o jg td, em algum momento ele sobe a marcação para roubada de bola! E os pênaltis, é fato, qual a diferença?