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Professor, vale a pena o investimento?

Wilton Santana

 

Outro questionamento que ouço de parte dos pais que têm filhos no futsal é o de que se vale a pena o investimento, ou seja, se vale a pena investir tempo nisso, o que, invariavelmente, exige adicionar mais itens a quase sempre carregada agenda diária: levar e buscar nos treinos e jogos; enfrentar a tensão das competições; algumas frustrações no caminho, como a de, por exemplo, ver o filho no banco; pagar a viagem para competir (em alguns casos); pagar a mensalidade (em outros) etc. Enfim, nunca encaro essa pergunta de forma distorcida. Ora, se é algo possível de os pais cogitarem, então se levanta uma oportuna e necessária reflexão sobre o tema.

 

Vale a pena investir tempo nisso?

 

O primeiro conceito que precisa ser admitido é o de que investir, nesse caso, significa apoiar, encorajar. Portanto, vale a pena! E não pelo motivo de seu filho, entre possíveis desfechos, “chegar lá”, porque isso, como vimos no texto anterior, é incerto. Mas, sobretudo, pelo o que ele aprende no aqui e agora; no processo em curso. Vale a pena por tudo o que ele pode aprender sobre si mesmo enquanto faz esporte. Porque o importante nessa vida, e não seria diferente para uma criança, é o que se aprende como resultado das interações com o que nos cerca. O esporte é um fenômeno, uma prática, que permite aprender a “olhar para dentro”, amadurecer, testar-se e descobrir-se. O esporte é, sobretudo, educacional, isto é, construtivo, pedagógico. O fato é que esse tempo vivido na quadra repercutirá para sempre. Acompanhe, por exemplo, a declaração de Tostão, o craque brasileiro campeão mundial de futebol em 1970:

 

“O time de meninos do bairro foi jogar contra o Atlético, campeão mineiro infantil, no seu campo. Era a glória jogar contra o Atlético. Fui para assistir, com as minhas chuteiras debaixo do braço, na esperança de faltar um jogador. Isso aconteceu, e eu entrei com a faixa central horizontal da camisa dentro do calção, e todos riram. Fui para a ponta esquerda para não me machucar, e o riso despertou em mim a coragem, a determinação, a vontade de superar obstáculos – características futuras. Ganhamos de 2×1, fiz o gol da vitória jogando a bola por cima do goleiro e fui abraçado por Ubaldo, o maior jogador de Minas na época, que assistira à partida. Depois fui carregado em triunfo até o nosso bairro, duas horas de caminhada, saudado por todos com foguetes, e me tornei o herói. À noite, cansado, chorei de alegria, emocionado, agarrado ao meu travesseiro, cena que repeti no meu quarto após a vitória da Copa de 1970 (p. 14, no livro Tostão: Lembranças, opiniões, reflexões sobre futebol. Editora DBA).

 

Memorável: “… o riso despertou em mim a coragem, a determinação, a vontade de superar obstáculos…”, “… me tornei herói”, “…chorei de alegria, emocionado, agarrado ao meu travesseiro”. Ora, qual outra prática tem o potencial de colocar a criança e o jovem sob situações emocionais e sociais tão pujantes, reais, emergentes e marcantes?

 

Jogar vale a pena

 

Queiram ou não os pais e os treinadores, o esporte na infância é uma brincadeira. Por isso, é sério. Por isso, é à vera. Ou seja, ser lúdico não diminui em nada o treino enquanto cenário de aprendizagem esportiva; enquanto ambiente de esforço. Ser lúdico não o impede de ser competitivo. Ser competitivo não o impede de ser cooperativo. Ao contrário. Brincar é jogar. E jogar é lançar-se, desafiar-se, expor-se, envolver-se. O lúdico desperta o interesse e esse envolvimento afetivo é a ante sala do desenvolvimento. E mais: quem joga afirma a sua personalidade diante de situações complexas, de caráter complementar e, por vezes, antagônico. No jogo, fica “uma coisa raspando na outra”. Uma linha tênue separando os sentimentos, as decisões e as atitudes. O “menu” é generoso: jogar com os outros, mas também fazer a sua jogada; demonstrar o que sente, mas também dissimular; ser o herói, mas também o vilão; dar a volta por cima, mas também esmorecer; vencer, mas também perder; agitar-se, mas também resignar-se; superar, mas também ser superado; surpreender, mas também ser surpreendido; resolver, mas também vacilar; decidir e se dar mal e decidir e se dar bem. Melhor de tudo é exercitar essas atitudes sob a realidade suspensa (trata-se de um jogo!), num ambiente lúdico, com liberdade para se expressar uma vez, outra e tantas enquanto durar aquele jogo. O jogo te “perguntando”: quem é você? Do que é capaz? Consegue fazer melhor? Consegue fazer diferente? Consegue ir até o final? Consegue se reerguer?

 

Casa de ferreiro, espeto de ferro

 

Tenho um filho que joga. O que desejo para ele? O esporte. O que vem com isso. O pacote todo. O envolvimento. Quero que ele seja constrangido pelas demandas esportivas: dedicar-se, empenhar-se, assumir responsabilidades, comprometer-se, frustrar-se, cooperar, rever metas, compartilhar riscos, exercer liderança, ser liderado, sofrer críticas, dar a volta por cima, desfrutar de alguma conquista, comemorar, sentir-se realizado por um dado instante, sentir o dissabor da derrota, reconhecer o erro, aprender a força do coletivo, desenvolver uma mentalidade forte. Quero que ele deseje algo de verdade. Que deseje a verdade. Que desfrute do jogo, da brincadeira, do risco, do riso, do choro. Que aprenda a construir passo a passo o seu jogo e a sua personalidade. Que se vire! Logo, sou muito grato por ele ser esportista. Um privilégio. Um alento. Precisa chegar ao alto rendimento para ter valido a pena? Não. Mas precisa ter desejado ser melhor a cada dia. Em cada momento. Em cada centímetro de quadra. Precisa ter sido visceral.

 

Efeito prático

 

Na prática, o que isso tem a dizer para os treinadores: pelo o que foi dito, que a quadra é um lugar sagrado. Não no sentido religioso, é claro, mas no sentido de distinção. A quadra é um lugar distinto porque transforma vidas. Tira do anonimato. Imprime personalidade. Quer pisar a quadra? Pise-a distintamente. Não seja expectador. Não se omita. Teu time é teu canteiro de obras. Sempre em aberto. Sempre em reforma. Reforma do pensamento. Reforma do sentimento. Reforma da decisão. Reforma da atitude.

 

Wilton escreveu quatro livros sobre futsal. O último deles “Pedagogia do Futsal: jogar para aprender”.

3 Comentários

  1. Guilherme Dengo disse:

    Magnífico!!! traduziu o meu sentimento!

  2. Newton disse:

    Muito bom!!!! Porém toda estas mudanças que ocorrerão não poderá seguir à aversão ao esporte? Acredito que a criança que tem pais ou professores com esta visão com certeza será um grande esportista e ser humano.

  3. Guilherme disse:

    Obrigado, este texto veio em um momento que procuro respostas para vários questionamentos