Wilton Santana
Não é incomum encontrar pais preocupados com o futuro do filho praticante de um esporte popular como o futsal. É compreensível. Além de os pais, naturalmente, preocuparem-se com os filhos, por amá-los, há certa expectativa, ao menos entre parte, de que, no futuro, seus rebentos “cheguem lá”, ou seja, sejam bem-sucedidos, como outros jogadores que se iniciaram nas quadras e se consagraram no futebol ou mesmo no futsal. Evidentemente que isso não pode se transformar num estresse, de modo que se perturbe o processo de formação do jogador que está em curso. Os pais, e isso é inegociável, não podem ser fonte de esgotamento para os filhos!
Nesse quadro, reportado minimamente até aqui, sou confrontado, modo geral, com duas perguntas: “Meu filho vai “chegar lá”?, “Vale a pena investir tempo nisso?”. Responderei ambas. Neste texto, a primeira. Em outro texto, a segunda. Mas o farei ao meu modo, é claro. Significa dizer que não quero ter razão, mas apenas expressar a vista que enxergo do ponto em que estou assentado.
Quem vai “chegar lá”?
Não sei. Não se sabe. O que se sabe? Que é multidimensional os fatores que explicam a trajetória esportiva de um atleta de alto rendimento. Ou seja, há uma série de fatores que, conjugados, explicam, numa visão retrospectiva, o processo que o fez “chegar lá”. Num livro extraordinário, chamado “O gênio em todos nós”, seu autor, David Shenk, reporta ao menos cinco fatores (misturados!) que contam para isso: a exposição precoce, a prática constante, uma formação excepcional (qualidade do treino), o encorajamento dos pais e a vontade intensa de aprender. Eu adicionaria um sexto fator: o local onde se está inserido. Em síntese, o que se sabe é que o processo e as boas oportunidades fazem a diferença.
Significa dizer, então, que bastaria mergulharmos o jovem praticante nesse “caldo” e ele “chegaria lá”? Ou seja, bastaria que se começasse cedo no esporte, que se demonstrasse paixão em aprender, que boas oportunidades fossem ofertadas, que houvesse um bom volume de treino, um ótimo treinador e pais que apoiassem, para que se tivesse, ao final e ao cabo, um (a) jogador (a) de excelência? Não. Não? Não. Por quê? Porque não é possível controlar o desfecho. Ele é incontrolável. Logo, se por um lado, muito provavelmente, não dá para se “chegar lá” sem a combinação desses fatores, por outro lado ter esses fatores combinados não é garantia de se “chegar lá”. Não poderia ser diferente: para um contexto imprevisível, um desfecho imprevisível.
O acaso
Por “incrível que pareça”, o acaso conta muito, mesmo que muitas pessoas não aceitem, não acreditem, não queiram; mesmo com todas as evidências em contrário. O acaso é o aleatório, o que não pode ser previsto, uma característica de um sistema complexo como o de formação de esportistas. E mais: o acaso é para o “bem” e para o “mal”. É sorte e azar. É ganho e perda. O acaso, por exemplo, surge quando um garoto vai completar um treino da categoria acima, por não ter sido relacionado para o jogo da sua, e nunca mais retorna, porque o treinador gostou dele. O acaso se manifesta quando o jogador, numa decisão municipal, atrai a atenção do “olheiro” do Barcelona que se encontrava de férias na cidade da namorada brasileira. Mas o acaso também significa precisar trabalhar para ajudar na casa porque o pai perdeu o emprego. Ou ser preterido quando de uma mudança de treinador. Ou enfrentar lesões. Observe: não é a sorte ou o azar que definem o desfecho, mas eles têm peso tanto quanto os seis fatores anteriormente elencados. De qualquer forma, o acaso é uma prerrogativa para quem está no processo. Para quem está envolvido. Em quadra. E não tem como desconsiderá-lo.
Como se responde ao acaso faz a diferença
Outro ponto que fará diferença é como os envolvidos responderão ao acaso. Por exemplo, conta-se uma história, confirmada por Pelé na sua biografia (Editora Sextante), de que ele, após perder um pênalti na categoria juvenil, preparou-se para abandonar o Santos e, somente não o fez, porque a fuga deu errado (alguém o impediu porque ele não tinha autorização por escrito para viajar). Já imaginou se essa fuga dá certo? Edson não seria Pelé.
Os melhores hoje serão os melhores amanhã?
Embora eu compreenda a tendência de se dizer que os melhores hoje serão os melhores amanhã, isto é, de que quem hoje está em evidência será mais bem-sucedido no futuro, preciso afirmar que não acredito nessa linearidade. E não acredito porque o processo é dado à incerteza. Pode ser que sim, ou seja, que um jogador com 12, 13 anos de idade, considerado o melhor agora, “chegue lá”. Mas pode ser que não! Portanto, pode acontecer de um outro jogador da mesma idade, que não é considerado o melhor, seja, no futuro, o jogador de excelência. Ainda mais: pode ser que nenhum dos dois chegue e também que os dois cheguem. As possibilidades estão abertas para todos os que estão no processo. Este é longo e incerto. Quer ver?
Yazid, aos 14 anos, não era Zidane
Depois do torneio de Cannes, ele cresceu. E progrediu. Está com 14 anos e já é dono de uma grande sutileza técnica. Mas nenhum recrutador ainda se interessou por ele. E, durante os raros estágios ou partidas seletivas de que participou, sua atuação não foi das mais notáveis. Por ocasião do torneio de Roux, depois de ter jogado contra o Azure como lateral ofensivo, ele se revezou como lateral direito e esquerdo em todas as partidas seguintes (…) Depois desse torneio, Zidane ainda não faz parte dos titulares incontestáveis do selecionador provençal. Segundo a orientação desse selecionador, dez dos onze postos da equipe estão selecionados, mas ainda se mostra hesitante quanto à escolha do décimo primeiro, o lateral que possa jogar na esquerda ou na direita – o número 8 (p. 16 de Zinedine Zidane, a biografia do craque escrita por Jean Philippe e Patrick Fort – Sá Editora).
Isso mesmo, o craque francês, que foi campeão mundial com dois gols na final, recebeu da FIFA por três vezes o prêmio de melhor do mundo como meio-campista e que ocupa, segundo a World Soccer, a vigésima oitava posição entre os 100 maiores jogadores de todos os tempos, já foi um lateral preterido no começo da sua carreira.
Efeito prático
Na prática, o que isso tem a dizer para os treinadores: de que é preciso garantir uma boa quantidade de prática, mas com qualidade. Ou seja, o volume da qualidade. Também de que é preciso investir nas relações, educando as atitudes dos jogadores e ajudando a criar uma mentalidade baseada no empenho e na busca diária de aprendizado. Importa como se joga mais do que quanto foi o jogo. Para os gestores (e aqui, muitas vezes, colaboram os pais!): oferecer boas oportunidades. Aos pais: de que é preciso encorajar os filhos, investir nas relações e desfrutar do processo.
Wilton é professor do Departamento de Ciências do Esporte da UEL (PR)
10 Comentários
Muito bom ..tenho um garoto de 5 anos e o mesmo esta iniciando no futsal .Peço pra ele divertir se ao maximo pra que seja algo prazeroso .
Bom conselho!
Muito bom
Parabéns! Que o acaso aconteça para muitos destes meninos! Não somente para as crianças como para os treinadores! Sucesso!!
Maravilhoso texto professor.. 👏🏽👏🏽👏🏽
Quando você se refere a exposição precoce, o que você quer dizer com isso ?
Williams, a exposição precoce acontece quando se leva a criança a ter contato com o esporte. Não se deveria demorar para fazer isso. No caso do futsal, o jogo esportivo coletivo que mais precocemente é oferecido, há algumas críticas em virtude de alguns tipos de ambientes serem muito exigentes, traduzidas na cobrança excessiva de parte dos treinadores e pais. Elas não são injustificadas, porque há exageros em alguns casos. De qualquer modo, como demora bastante tempo para se criar certa excelência esportiva, iniciar cedo, mas bem, explicaria a contribuição da exposição precoce como um dos fatores que explicam a trajetória de sucesso de jogadores que “chegaram lá”.
Seus textos são maravilhosos! Se já gostava, agora virei fã. Obrigada! Obrigada!
Obrigado!!
Muito boa essa análise!
Eu com 7 anos treinava com meninos de 11,12 aos 9 éra centroavante titular e artilheiro no meio de meninos de 11,12 até que fui parado pelo meu pai que alegou que eu éra muito pequeno para jogar contra às crianças de 11,12 e que eu só voltaria a jogar com a idade mínima 11 fiquei parado 1 ano e na volta ja ñ estava no mesmo nível vi meninos que eram inferiores na volta jogarem melhor que eu e nunca mais fui o destaque da equipe!
Valeu, Rivail! Grato pelo depoimento.