A relação com o espaço de jogo

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A relação com o espaço de jogo

Wilton Santana

 

 

 

Aprender a se relacionar com o espaço de jogo, ocupando-o de modo inteligente, é central na formação do jogador de futsal. Trata-se de uma competência essencial. Não custa lembrar que as outras duas são a relação com a bola e as interações táticas. Isso posto, me proponho a responder algumas questões neste texto sobre essa iniciação tática posicional: qual o espaço que precisa ser ocupado de modo inteligente? Por que seria importante ocupá-lo bem? Como os iniciantes, modo geral, ocupam esse espaço? O que será preciso conhecer/estruturar para ocupar bem o espaço? Que tipo de desenho de treino ensina a ocupar o espaço? As respostas a essas perguntas pretendem ajudar no entendimento deste tema, sobretudo, porque incide no seu ensino para crianças entre 6 e 11 anos de idade.

 

Não se trata de qualquer espaço, mas o de jogo

Verifique o jogo abaixo: os dois jogadores de verde no centro do quadrado são pegadores. Precisam, sem perder o controle da sua bola, tocar em algum jogador de vermelho que tenta atravessar de um lado para o outro. Se isso acontecer, os papéis são invertidos. Detalhes: (a) também será considerado “pego” quem atravessar fora dos limites do quadrado; (b) tem de se atravessar com a bola controlada.

 

Jogo de controle de bola: uma adaptação da brincadeira infantil “Mãe da Rua”. Mas, nesse caso, cada criança tem um bola no pé, inclusive, os dois pegadores.

 

Pergunto: essa atividade ensina algo sobre como ocupar o espaço? A tendência é afirmar que sim, pois há, evidentemente, uma relação espacial exigida de quem joga. Mas, diria que essa atividade não incide pontualmente sobre o tema da ocupação inteligente do espaço de jogo. Isso porque, ao exercitá-la, não se aprende mais sobre como ocupar o espaço segundo uma posição tática! Em outras palavras, não se aprende a se posicionar como fixo, ala ou pivô em particular e, consequentemente, a colocar em perspectiva a ocupação de uma dessas posições com as demais. Portanto, a estruturação do espaço a que me refiro não é um espaço abstrato, mas o espaço tático de jogo, aquele que o jogador tem de adotar na quadra junto com os colegas de equipe.

 

Posicionar-se bem para quê?

Para, efetivamente, facilitar as interações táticas quando se tem a bola (ataque) e quando se quer recuperar a bola (defesa). Esse é o ponto. Logo, ocupar o espaço tem a ver com a distribuição dos jogadores pela quadra para dar conta dessas tarefas táticas coletivas. Quando se começa a aprender futsal, os jogadores tendem a ocupar mal o espaço, o que compromete as interações táticas as quais me referi.

 

No começo, uma anarquia posicional

O indicador mais visível da má ocupação do espaço de jogo é a atitude de os jogadores se aglutinarem em torno da bola. Assim dispostos, todas as interações táticas são prejudicadas. Não será possível, por exemplo, exibir comportamentos táticos de grupo, como fazer uma tabela ou realizar uma cobertura. É preciso, portanto, “tirar” as crianças dessa condição anárquica e conduzi-las para um jogo posicional, minimamente organizado. Que fique claro: as crianças não aprenderão a ocupar o espaço tático de jogo “correndo atrás da bola”, amontoando-se!

 

Aglutinação ao redor da bola. O indicador do nível de jogo anárquico que inibe as interações táticas entre jogadores iniciantes.

 

Com o treino, a organização mínima

Estruturar o espaço de jogo passa, entre outras coisas, por se afastar de quem tem a bola quando o seu time tem a bola, ocupando áreas da quadra segundo uma posição tática. Ao mesmo tempo, quando se defende, é preciso definir quem se marca, a partir de onde se marca e a compactar as linhas. É preciso que, com o tempo de treino, o espaço de jogo seja ocupado de modo organizado.

 

Jogadores afastados uns dos outros. Um indicador conquistado com o treino e que tende a facilitar as interações táticas coletivas.

 

Para que isso aconteça, é preciso entender quais são os indicadores táticos posicionais que precisam ser estruturados/aprendidos.

 

O que é preciso aprender?

Sugiro que os conteúdos de ensino perpassem alguns indicadores táticos posicionais: atuar na meia-quadra defensiva em perspectiva com a meia-quadra ofensiva e vice-versa.

 

Ocupar os corredores da quadra em largura e profundidade.

 

 

Aprender a jogar com quem está próximo e também com quem está afastado.

Agora, esses indicadores precisam ser aprendidos jogando futsal.

 

Os desenhos análogos de treino

Se a quadra é o espaço a ser ocupado no jogo e se se aprende a ocupá-lo estruturando as noções anteriormente descritas, então será preciso que as dinâmicas de treino exercitem os indicadores táticos posicionais. Na prática, as exercitações precisam deixar uma herança posicional para quem precisa aprender a ocupar bem a quadra. Os desenhos de treino precisam ser análogos ao desenho tático que se quer introduzir como iniciação tática posicional; a intenção é “modelar”, ou seja, dar uma forma para que se aprenda a jogar de modo posicional, opondo-se à anarquia tática inicial.

Observem esses dois jogos de futsal em espaços reduzidos.

No 2×2, só se pode avançar para a quadra ofensiva se o passe for feito para o colega. No 2×2+1, o gol só pode ser feito se a bola for passada para o jogador em profundidade.

 

No primeiro, 2×2, o espaço foi dividido em duas meias-quadras. Há, portanto, jogadores na meia-quadra de defesae outros na meia-quadra de ataque, que jogam 1×1 nesses espaços separados por uma linha (fita). Quem está mais avançado, atua na profundidadee afastadode quem se posiciona na quadra defensiva. A regra é a seguinte: o jogador que está na parte defensiva ganha o direito de atacar sempre que conseguir realizar um passe para o seu colega na profundidade. Nesse momento, ambos (quem ataca e quem defende) podem fazer a transição para o ataque. Só se pode transitar se a bola for passada de uma quadra para a outra.

No segundo, 2×2+1, há dois jogadores próximos, que atuam em largura, um ao lado do outro, e outro jogador (pivô) que atua em profundidade e afastado. Regra: só vale chutar no gol se a bola for passada para o pivô. Detalhes: o pivô só tem participação ofensiva. Portanto, só entra em jogo quando a sua equipe tem a posse da bola.

Agora avalie esses outros dois jogos.

 

No 3×1, os alas defensivos são obrigados a sair da quadra quando o adversário tem a bola e a retornar quando a sua equipe tem a bola. No 1×1+2, os curingas atuam para quem tem a bola.

 

Ambos oportunizam o exercício de se posicionar em largura, ocupando os corredores da quadra, atuando próximo quando a bola está no centro e próximo e afastadoquando a bola está na ala. Joga-se 3×1 e 1×1+2. No primeiro caso, há uma alternância dos alas em quadra; estes saem do jogo quando a sua equipe perde a bola, entrando os que estavam fora para a equipe que detém a bola. No segundo caso, +2 representa os curingas, que não saem do jogo e atuam para quem tem a posse da bola. Detalhe: em ambos os jogos, o defensor está livre para marcar.

Como se vê, optei por desenhos de treino em espaços menores, mas com estrutura análoga à exigida quando da ocupação do espaço maior. Além do que, todos esses exemplos podem ser levados para o espaço padronizado. Fica a dica: sair da anarquia tática para a organização posicional exigirá desenhos de treino que exercitem os indicadores táticos posicionais. No nosso caso, o desenho tático que se quer ensinar é o 3.1.  Não se pode esquecer de que todos os jogadores precisam vivenciar todos esses indicadores, atuando ora no campo defensivo, ora no ofensivo, ora pelo centro, ora pelas laterais, ora em largura, ora em profundidade, próximo e afastado.

 

Wilton atuou como assistente técnico da seleção brasileira principal de futsal campeã do Grand Prix 2018.

5 Comentários

  1. Heber disse:

    Professor,então neste sentido uma estratégia de ensino posicional poderia ser a divisão da quadra em 3 faixas ou em 2 faixas dependendo do desenho que se quer ensinar? Obrigado por compartilhar conhecimento.

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Heber, sugiro que o aprendizado contemple jogar próximo e afastado, em largura e em profundidade, ocupando os corredores laterais e o central e a transição entre as metades da quadra. Abraço.

  2. Leandro disse:

    Entender o jogo de uma maneira ESPACIAL ,acredito que precise muito mais que aplicações de treinos e metodologias .

  3. EVANDRO FAUSTINO SANTOS disse:

    Boa tarde professor, entendo que é preciso proporcionar a descoberta guiada, o entendimento do jogo virá do aluno atleta, mas eles precisam ser induzidos aos questionamentos. Como disse Rodrigo leitão uma vez: A bola responde tudo, é só fazer as perguntas certas. Nós professores devemos propor a eles a oportunidade de tomar as decisões em jogos com algumas armadilhas pro pensamento. Lembro que um dia apliquei um jogo que apelidei de rouba bola-bandeira, que era baseado no antigo rouba bandeira, quatro alunos de um lado e quatro do outro da quadra, 3 bolas dentro de cada área penal. O objetivo era uma equipe buscar a bola na área contrária e trazer para a sua. A ida atrás da bola era livre, porém qdo retira-se a bola da área para tentar trazer a sua área, o adversário pode tentar rouba-la, a escapada tem que ser através de drible, se conseguir chegar a sua quadra, a bola é dele, se o adversário roubar antes de passar o meio da quadra, quem perdeu a bola fica parado pego, parado, esperando salvação, que só se dá através de uma bola da salvação que cada equipe terá, essa bola precisa ser passada e dominada pelo aluno pego para ele ser salvo e voltar a sua quadra. Qdo terminei de explicar a regra, um dos alunos disse, a bola da salvação tem que ficar com alguém com passe bom, achei interessante como ele já entendeu e pensou sobre o jogo sem eu falar sobre isso. Se me fiz entender, é disso que estou falando..rsrs…e creio que entender de maneira espacial depende muito de nós professores! Abç, professor