Wilton Santana
Por se tratar de confronto, de disputa, os treinadores não entram no jogo para “ver no que vai dar”. Os treinadores revestem-se de ideias! E mais: treinam essas ideias. Isso não representa controlar o jogo e os jogadores! Mas organizar o time para enfrentar o jogo, de modo a atenuar seus efeitos colaterais. Organizar tem a ver com conduzir os jogadores a “pensar o mesmo diante das mesmas situações”, ou seja, “falar o mesmo idioma diante das configurações do jogo”. Mas anote aí: isso não exclui as individualidades, embutida aí a improvisação, mas exclui o individualismo, pois o bom jogador, como disse certa vez o professor Júlio Garganta, “subordina os interesses pessoais aos coletivos”. O fato é que não se chega a ser um time, e muito menos competitivo, sem um elevado nível de cooperação. Cooperação-competição. Interessante binômio.
O jogo, por ser dado à imprevisibilidade, precisa ser sedimentado na inteligência coletiva. Mas, repito, isso não exclui a criatividade. Ao contrário, a potencializa, pois a assenta no contexto de jogo. Daí o conceito de criatividade contextualizada. Se todos souberem o que fazer, melhor está para criar.
O sentido do treino
Volto ao tema inicial: treinar as ideias prévias – aquelas que os treinadores revestem o treino – representaria a única possibilidade de se jogar o “jogo pretendido”. O “jogo pretendido” é o modelo de jogo; aquele que nunca ficará pronto e sempre necessitará de ajustes, mas que precisa existir para que um “time atue como um time”. Mais ainda: para que exista sentido no treinar. Se o “jogo pretendido”, eternamente sujeito aos ajustes, revestir o treino, as pretendidas regularidades táticas estariam em curso. O sentido do treino é criá-las. Elas expressam o “idioma” do time.
Pensar o mesmo diante das mesmas situações
Antevejo que preciso explicar mais essa frase. “Pensar o mesmo” significa, por exemplo, definir que se defenderá alto. Além disso, zonal. Além disso, com linhas próximas. Além disso, pressionando a bola. Além disso, se a bola progredir e bater a primeira linha, estabelecer de que forma o equilíbrio defensivo é restabelecido. Já “… diante das mesmas situações” significa, nesse exemplo, “quando o adversário tem a bola na sua quadra… quando a bola estiver na lateral… se a bola bater a 1ª linha”. Ajuda muito “pensar o mesmo diante das mesmas situações” para que cinco jogadores atuem como um time. Cinco jogadores diferentes sendo um.
Resta identificar sob quais situações será preciso “pensar o mesmo”.
Momentos do jogo
Convencionou-se na literatura dividir o jogo em quatro momentos ou fases: organização ofensiva, transição ataque-defesa, organização defensiva e transição defesa-ataque. Concordo. Contudo, adicionaria ou destacaria duas configurações que, de tão incidentes e decisivas no futsal, poderiam ser “promovidas a momentos”: as bolas paradas e o jogo de linha-goleiro. No caso das bolas paradas, a necessidade de se organizar para atacar e defender quando de faltas, laterais e cantos. No caso do jogo de linha-goleiro, a exigência de se organizar para atacar e defender.
Mas por qual motivo proponho isso? Porque estudos demonstraram que uma boa parte dos gols no futsal de alta competição é concretizada nessas situações.
Configurações do jogo
Se conhecemos os momentos, falta identificar as configurações momentâneas, ou seja, as distintas formas que o ataque, a defesa, as transições, as bolas paradas e o jogo de linha-goleiro podem apresentar no jogo e, que, por extensão, “exigem uma resposta coletiva”. O futsal é uma sequência de sequências!
Organização Ofensiva | Transição Ataque-Defesa |
Quando a bola está na mão do nosso goleiro (arremesso de meta) | Quando o goleiro adversário defende e fica com a bola
Quando perdemos a bola na nossa quadra
Quando perdemos a bola na quadra adversária avançado e na intermediária
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Quando a bola está nos pés do nosso goleiro na nossa quadra (quatro segundos para jogar) | |
Quando a bola está nos pés do nosso goleiro na quadra adversária (livre para jogar) | |
Quando o adversário marca alto (na nossa quadra) de forma individual ou zonal | |
Quando o adversário marca baixo (na quadra dele) de forma individual ou zonal | |
Quando nos encontramos em vantagem numérica por expulsão (4X3) |
Organização Defensiva | Transição Defesa-Ataque |
Quando a bola está na mão do goleiro (arremesso de meta) | Quando o nosso goleiro defende e fica com a bola
Quando recuperamos a bola na nossa quadra
Quando recuperamos a bola na quadra adversária
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Quando a bola está nos pés do goleiro na sua quadra (com quatro segundos para jogar) | |
Quando a bola nos pés do goleiro que avançou (com tempo livre para jogar) | |
Quando a bola está localizada na quadra adversária (marcação alta) | |
Quando a bola está localizada na nossa quadra (marcação baixa) | |
Quando o ataque é pressionado e traz todos os jogadores para a sua quadra | |
Quando o ataque é pressionado e mantém o pivô na profundidade | |
Quando o ataque entra com uma linha de 4 para enfrentar a defesa baixa e alta | |
Quando o ataque entra com uma linha de 3 para enfrentar a defesa baixa e alta | |
Quando marcamos em três por ter um jogador expulso (3X4) |
Bolas paradas (ofensiva e defensiva) |
Jogo de linha-goleiro ofensivo | Defesa de linha-goleiro |
Quando, no lateral defensivo, o goleiro é acionado (como marcar e atacar) | Quando a defesa opta em marcar em duas linhas (quadrado)
Quando a defesa opta em receber nosso ataque em três linhas |
Quando optamos em receber o adversário em duas linhas
Quando optamos em receber o adversário em três linhas
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Quando do lateral ofensivo
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Quando das faltas laterais e central próximas e distância média | ||
Quando dos cantos |
Não subestime, no treino, o jogo pretendido
A construção de um jeito próprio de jogar diante dos momentos do jogo e suas respectivas configurações é artesanal. Levará tempo e precisará de ajustes constantes, porque o processo é não linear, sujeito a imprevistos – basta considerar que os adversários são organismos estressores. Na prática, o seu time pode estar “menos ajustado no 10º jogo do que esteve no 7º”. Portanto, três dicas:
(1ª) defina o “jogo pretendido”;
(2º) persiga-o, incansavelmente, nos treinos;
(3º) ajuste-o a cada jogo, considerando tanto as suas impressões, como as de seus jogadores, pois o jogo é uma construção coletiva.
Wilton compôs a comissão técnica da Seleção Brasileira Sub-20 (2016) e Principal (2018).
2 Comentários
Excelente reflexão sobre o contexto treino-jogo-treino. Ou seja, a lógica interna do jogo aplicada aos treinos. Show de bola prof. Wilton!!! Parabéns pelo texto.
Valeu, Elto! Abraços