As regras hipermíopes das menores

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As regras hipermíopes das menores

Wilton Santana

 

 

 

A lógica interna do futsal reúne suas características mais particulares; configura, por assim dizer, sua identidade como jogo esportivo coletivo. Essa lógica é configurada, segundo uma linha de autores, por seis parâmetros: regras, estratégia, técnica, espaço, tempo, comunicação. Destes, a regra é um parâmetro de grande impacto. Por quê? Porque ela limita o grau de liberdade dos jogadores e dá sentido ao jogo. Portanto, ao se pensar em se mexer nas regras, se deveria pensar no quanto isso favoreceria ou não o sentido do jogo.

Considerando o inevitável impacto que as alterações nas regras produziram no sentido do jogo de futsal ao longo das últimas três décadas, diria, minimamente, que o nosso jogo ficou ainda mais dinâmico, impondo transições rápidas que configuram momentos de vantagem numérica ou posicional; constante circulação da bola, como antídoto para a intensa marcação em geral exercida e perigo iminente para a consecução de gols. Além disso, por ser altamente imprevisível e jogado num espaço compartilhado e relativamente escasso, sobrecarregou cognitivamente os jogadores, acentuando o apelo à tomada de decisões. Para ser bem jogado, os jogadores precisam dispor de um repertório tático-técnico considerável.

Isso posto, quando me deparo com algumas alterações propostas para as categorias menores (Sub-7, 9 e 11) em alguns estados, penso que há avanços e retrocessos.

Como bom exemplo, citaria o impedimento do “rola e chuta” nos laterais, que, se continuasse, mudaria nosso esporte para “tiro ao alvo”.

Essa regra inibiu o “rola e chuta”, que causava muitos gols sem a necessidade de se elaborar minimamente o ataque

 

Outro é proibir o lançamento do goleiro direto para a quadra adversária, que associado à tolerância exigida para quem marca na 1alinha (e não são todas as federações que adotam isso!), promovem a tentativa de um jogo ofensivo mais elaborado a passe – o jogador pode receber a bola e enquadrar o jogo antes de a defesa invadir.

Essa regra permite que os atacantes dominem a bola, enquadrem o jogo e tentem jogar intencionalmente

 

Por outro lado, há regras hipermíopes. Um exemplo é a que impede o goleiro, após defender a bola, de lançar diretamente para a quadra adversária (arremesso de goleiro) – a bola tem de tocar, primeiro, na sua quadra. O que é isso? Quem foi a “mente brilhante” que produziu isso? Essa regra inibe o contra-ataque, que é um momento da própria lógica tática do jogo! Pior: beneficia o ataque que terminou, que pode retomar sua defesa na quadra ofensiva, e penaliza a boa defesa que, com a bola na mão do goleiro, tem de se esmerar para sair jogando para frente com a bola tocando a sua meia-quadra. Isso é de uma estupidez sem tamanho.

Essa regra precisa “cair”, pois contraria a lógica tática do jogo. Nesse momento, uma boa decisão do goleiro seria contra-atacar, aproveitando o desequilíbrio defensivo.

 

Igualmente, avalie a penalidade atribuída quando o goleiro (no arremesso de meta e também após fazer uma defesa) lança a bola, com as mãos, direto para a quadra ofensiva: o recomeço do jogo é na quadra do adversário, com a bola colocada sobre a linha da área de meta. O quê? Como assim? O time que não conseguia sair jogando no arremesso de meta ganha a vantagem de marcar o adversário lá na quadra deles? Mas então vale a pena infringir a regra! Você sai da pressão e vai pressionar!

 

Essa regra é muito incoerente: sua violação livra a equipe da pressão e a remete a marcar na quadra do adversário.

 

Também é constrangedor o goleiro defender a bola e encontrar um colega bem posicionado em situação de contra-ataque e o árbitro ter de interromper isso e penalizar o time. Sempre há um pai ou mãe lá na arquibancada que perguntam: “Mas, o que foi?” Que coisa! É o mesmo que você fazer um gol e o árbitro invalidar porque sua camisa não estava para dentro do calção.

Essa regra é de uma incoerência absoluta! Nada poderia impedir que o goleiro pudesse lançar a bola direto para a quadra ofensiva se a situação exigisse isso!

 

A gente nunca saberá quem criou isso. Deve ser um sujeito que nunca deu treino. Deve ser alguém que vai ler este texto e achar que estou errado. Deve ser alguém que avalia que não há diferença entre a bola estar na mão do goleiro e ser arremesso de meta e a bola estar na sua mão após uma defesa. Dirá: “os garotos precisam sair jogando e tal”. Ora, ora! O goleiro com a bola na mão quando do arremesso de meta encontra uma defesa equilibrada, o que favorece o jogo posicional. Ao contrário, quando defende a bola, encontra uma defesa desequilibrada, portanto, no melhor momento para se contra-atacar e a sua tomada de decisão teria de ser nesse sentido. Mas ele não pode! E não pode porque a regra do “sujeito que inventou isso e nunca saberemos quem foi”, o “Zé Regrinha”, o impede de encontrar um colega na quadra de ataque mais bem posicionado e dar sequência lógica ao jogo ofensivo.

Wilton é professor do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Londrina.

15 Comentários

  1. Jamerson Fonseca da paz disse:

    Estamos lutando aqui nas categorias sub 7,9 e 11 para termos em todas as competições as adaptações na regra para as crianças. Concordo com todos essas colocações Mestre Wilton. Já estamos conseguindo em algumas tipo, tiro de meta na quadra defensiva só pode sair com bola no chão sem ligação direta , bola em jogo defendida pelo goleiro ele pode ligar o contra- ataque para quadra ofensiva, lateral na na quadra defensiva a bola só pode entra na área após o segundo toque, isso para evitar a casquinha. Temos que fazer com que essas crianças quando estiverem nas categorias maiores tenham tomanda de de decisão, temos que trabalhar o ” si” em todas as situações de aproximação, fugida, drible entre outros “si”. Meus treinos são construídos para termos uma criança crítica/Construtiva. Sigo sua linha de pensamento trabalhando e respeitando as etapas de desenvolvimento da criança.

    Percebo que a preguiça ou a falta de conhecimento de alguns profissionais vem sendo a resistência para a aplicação das regras adaptadas, sem falar nos árbitros que também não querem para não ter trabalho em quadra.

    Vou continuar lutando e tentando, aos poucos estamos conseguindo.

    #Futsal
    #DeusNoComando

    • Pedagogia do Futsal disse:

      As alterações nas regras do futsal precisam respeitar a lógica tática do jogo. Forte abraço e sucesso.

  2. O problema das regras citadas acima é que elas não só atrapalham a dinâmica do jogo, como afetam diretamente a formação dos jogadores e, principalmente do Goleiro de Futsal. A partir do momento que você o impede de tomar decisões rápidas e limita a ação que ele poderá tomar diante determinada situação, isso com certeza afetará ele no futuro. E, levando-se em consideração a importância do Goleiro no jogo de Futsal hoje em dia, e no tanto que as regras da posição têm mudado nos últimos anos, fica cada vez mais difícil imaginar que quem pensa em regras desse tipo já deu algum treino ou pensa na evolução da modalidade. Ótima reflexão Professor.

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Olá, Renato! É por aí: as regras o impedem (ou o limitam) de jogar para frente quando defende. Logo, ele aprende errado. Os “entendidos” dirão que ele pode usar o pé. Ou seja: para que facilitar se podemos complicar! Abraços

  3. Adriano Queiroz disse:

    Professor, concordo que a bola defendida pelo goleiro e acionar um contra ataque seja válido, desde que seja algo pensando e inteligente.
    Agora vai a minha pergunta: E o goleiro que defende e da chutão em direção ao gol para a raspada do seu pivô que é alto ou a tentativa da bola entrar direto, isso nas categorias menores é um válido? Onde existe um jogo que o bonito é assistir as crianças resolvendo problemas, tomando decisões com a bola no pé, até mesmo o goleiro, tomando a decisão correta no ato de acionar um contra ataque após uma bola defendida.

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Olá, Adriano! No estado do PR isso é proibido e estou de acordo. Observe: uma coisa é o goleiro defender e acionar rapidamente um contra-ataque; outra é esperar alguém do seu time entrar dentro da área adversária e dar um chutão (balão) para ele disputar com os defensores, inclusive o goleiro, essa bola de trajetória alta.

  4. Osmar Obuti disse:

    Professor Wilton, partindo de seu comentário a Liga Metropolitana de Futsal de Londrina juntamente com seus filiados (35 Associações e Escolas) adotara essas regras comentadas por você no nossos Campeonatos a partir do segundo semestre, temos 150 equipes de categorias menores que participam do Campeonato Metropolitano divididos em 2 divisões a serie ouro-especialização e serie prata-formação. Seu comentário foi de uma colocação muito clara e vem de encontro com nosso objetivo de formação e educação dos atletas menores.
    Parabéns, um grande abraço.

    • Osmar, avalio que seja interessante compormos um Comissão, constituída de poucas pessoas, mas representativas, com a finalidade de estudar e elaborar um regulamento com possíveis alterações nas atuais regras propostas para as categorias até 11 anos. Isso posto, testaríamos nas competições do segundo semestre. Coloco-me à disposição. Forte abraço e obrigado pelas palavras.

  5. Neto barbosa disse:

    Parabéns professor tão simples seria convidar pessoas conhecedoras da Pedagogia do futsal,do esporte e que trabalha diretamente com futsal e, assim poder fazer regras adaptadas para as crianças sem perder o teor do Esporte.

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Olá, Neto! Este é o raciocínio chave: alterar as regras de modo que não se perca a essência do esporte, o teor, como você disse. Senão, atestamos que não entendemos do esporte que ensinamos. Um abraço.

  6. Manoel disse:

    Com estas novas regras o futsal fica mais bonito as vezes já treino meu time com este estilo de sair jogando na minha quadra defensiva assim forço adversario vim marcar sobre pressão
    No qual consigo um bom contra ataque
    Trazendo minha atletas fica atrás da linha defensiva e assim deixando espaço quara ofensiva
    Claro isto garra muito de cada estilo de jogo dos adversario
    Manoel treinador central f.c

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Manoel, antes de a regra atual, que permite lançar a bola diretamente (pelo alto) para a quadra adversária, os treinadores se dedicavam a sair jogando a passe. Foi aí que surgiu o “jogo de quina”, criado pelo PC de Oliveira para as equipes da Ulbra, GM, por exemplo. Ou seja, as regras daquela época condicionavam esse comportamento. Não há como fugir: a regra limite o grau de liberdade dos jogadores e dá sentido ao jogo. Por isso, precisamos pensar muito bem quando mexemos nas regras. Grato pela participação.

  7. Giorgio Santos disse:

    Bom dia. Acho muito pertinente o debate, aqui em Recife, muitos profissionais da base nãa estão preocupados com o”pensar” no jogo, tanto é que não debatem sobre possíveis adaptações na regra para as categorias de base. Essa mudança do arremesso de meta, eu tinha solicitado em um congresso técnico há uns 5 anos atrás,mas fui voto vencido. Gosto muito dessa linha de raciocínio. Bem como, solicitava à comissão de arbitragem que no sub 7 e 9 corrigisse a criança nos tiros laterais. Abraço à todos. Giorgio

    • Pedagogia do Futsal disse:

      Olá, Giorgio! Seguramente aí em Recife vocês criarão boas regras para as menores. Há muitos bons profissionais envolvidos. Sucesso!

  8. EVANDRO FAUSTINO SANTOS disse:

    Boa tarde professor, penso como vc em relação a algumas regras que parecem, na minha opinião ter raiva do gol. O futebol é sem dúvida o esporte coletivo mais atrasado do mundo, e o futsal que tbém é da FIFA, segue seus passos. Exemplo tanto do futebol qto do futsal, a bola só entra em jogo quando sai da área, se o goleiro sair jogando com um atleta e ele tocar a bola antes dela sair da área penal, o jogo é reiniciado, ou seja, o infrator é beneficiado e se estiver no fim de uma partida, o time (no caso do futebol) ainda ganha alguns segundos. Mas a pior para mim é a regra que envolve o goleiro no futebol de campo, se o atacante estiver a um metro do gol, driblar o goleiro e for derrubado por esse goleiro, é marcado o pênalti e o goleiro não é mais expulso, a bola agora vai para 9 metros (antes estava a 1 metro) e o infrator está lá para tentar evitar o gol novamente, ele recebeu uma nova chance! Na maioria das vezes se adianta e as vezes consegue pegar e se acontecer, não contentes, os entendedores da FIFA querem parar o jg e dar tiro de meta pro time do infrator! Eles tem ou não raiva do gol? A impressão que tenho é que eles adoram um 0 x 0…desculpe professor, sei que está falando das menores do futsal, mas queria falar isso a um tempo com alguém capacitado e com senso crítico!